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27 de junho de 2015

DESAPAIXONANTE -- EPISÓDIO 10: ZONA MORTAL (Parte 3)



(Narrado por Sávio)

Como se não bastasse toda a poluição sonora que permeia o ambiente do festival de música em Goiânia, ainda temos que lidar, Milena e eu, com um turbilhão de perguntas que só faz se multiplicar em nossas mentes. Primeiro, por que raios até poucos dias atrás Julinho Cowboy era um ídolo existente e do nada virou fumaça, literalmente uma lenda? E como alguém se torna ninguém do dia pra noite? Ou melhor, como um cantor sertanejo cheio de fãs Brasil afora se transforma em outro produto musical e ninguém parece se importar ou sequer perceber? O pior: como tem gente que jura que esse mesmo cantor sertanejo nem existe, como fez o gerente da gravadora? É coisa demais pra mim, eu não sabia que a indústria musical era tão cheia de truques e “gambiarras”. Mas daí me lembro que eles são apenas mais uma forma de comércio e precisam manter os sentidos atentos para onde sopra o vento dos lucros.
“Agora eu entendo por que o gerente da gravadora disse que o Julinho Cowboy nunca existiu. É só um golpe de marketing, ele entrou no espírito da coisa pra promover o ‘novo artista’ MC Camufla”, conclui Milena.
“E tudo que eu quero entender é: por que alguém faz isso? Tipo, se o cara já tinha uma carreira sólida e tava ganhando dinheiro e tudo mais, qual o motivo de se tornar outro artista?”
“Sei lá, vai ver que eles quiseram seguir a febre do momento. O funk ostentação faz muito sucesso com os adolescentes, né? E os MCs famosos faturam muito dinheiro.”
“A gente precisa pegar esse tal de MC Camufla. Ou melhor, Julinho Cowboy. Quer dizer... Ah, caramba, seja lá qual for o nome desse maluco. A gente não pode ir embora sem bater um belo papo com ele.”
“O que você tem em mente?”

Levamos mais tempo para decidirmos fingir que éramos da organização do festival do que para burlar a segurança do camarim do MC Camufla. Estou me sentindo um pouco mal por agir de má-fé com os caras que nós enganamos, mas trabalho é trabalho.
“Aí, parceiro, quando é que vão trazer os churros que eu pedi? Pô, parça, já tô ficando bolado com isso”, disse o MC Camufla, sentado diante do espelho admirando-se tal qual Narciso quando descobriu que era lindo. A diferença é que MC Camufla não era Narciso. E muito menos Narciso era comedor de churros.
“Incorporou bem o personagem funkeiro, hein, meu amigo”, Milena já chega determinada a parar com a palhaçada. E eu vou junto, claro:
“Não precisa bancar esse papel pra gente... Julinho Cowboy!”
“Que parada é essa aí, mermão?”, o cascateiro continua insistindo, apesar de suas pálpebras estarem sutilmente trêmulas. “Que história é essa de Julinho Cowboy? Não tô ligado nessa parada não. Aqui é Camufla, tá ligado, parça?”
“Meu nome não é parça. Meu nome é Sávio e essa aqui é minha sócia Milena. Não precisa mentir, a gente sabe quem você é. A gente só quer conversar.”
“Tenho que tirar o chapéu pro cara, Sávio. Ele é bom. Adotou os maneirismos dos funkeiros e gírias, olha aí”, Milena ressalta em voz alta mesmo, como se ele não estivesse ali.
“Vou chamar os seguranças, morô?”
“Morô?!”, repito eu, com uma sobrancelha levemente arqueada. “Que tipo de pessoa com menos de 30 anos fala ‘morô’?”
Ele faz menção de ir em direção à porta, mas Milena se coloca na frente dele, encarando-o. Eu me aproximo e seguro o pôster do Julinho Cowboy (um pouco amassado, mas tudo bem) diante das fuças do MC Camufla. Veja bem, na dada circunstância, é como segurar um espelho.
“Julinho, a gente não é da imprensa. Não estamos aqui pra arrancar a verdade de você e depois divulgar na Internet. O caso é que a gente precisa de ajuda, mas pra isso seria bom se você pudesse parar de bancar o cantor de funk e conversar normalmente”, explico a situação.
“Também não somos policiais. Pode confiar na gente, só precisamos de uns esclarecimentos.”
Mc Camufla/Julinho Cowboy nos encara com a expressão furiosa no olhar, mas que vai cedendo para um semblante menos tenso. Ele engole em seco. Seus olhos denunciam que sabe que está encurralado e que a verdade o cercou. Então se rende:
“É, vocês me pegaram”, ele agora fala com um sotaque difícil de identificar, pois quando entramos ele forçou algo entre paulistano e carioca, uma falha tremenda para quem quer construir um personagem e ser convincente. Construir uma boa mentira é uma empreitada arquitetônica delicada.
Sentado, ele abandona os maneirismos de cantor de funk e aparenta ser um mero homem fantasiado de MC. Aliás, reparando bem, ele realmente parece muito mais um homem do que um garoto (já que, segundo Milena, os artistas do funk ostentação são todos bem novos... Acho estranho Milena saber tantas informações sobre esse universo, mas não posso perder tempo com isso agora, o foco é outro).
“Quer saber, cara? Eu cansei de resistir. Não me importa se vocês são da polícia ou da imprensa. Se fosse em outros tempos, eu teria morrido defendendo que sou MC Camufla.”
Ele abre uma garrafa de whisky (cantor de funk bebe whisky? Milena deve saber...), faz um gesto nos oferecendo, nós recusamos. Milena toma a palavra:
“Por que até um dia desses você era um cantor sertanejo e agora se transformou em um cantor de funk? E fazendo parecer que o artista sertanejo nunca existiu?”
“Por causa da grana, né? O funk ostentação é o meio mais rápido de se ganhar dinheiro na música popular hoje em dia. Julinho Cowboy ia cair no esquecimento logo, logo, então a gente sempre toma uma providência antes que isso aconteça.”
“A gente? Você quer dizer você e o pessoal da gravadora?”, indaga Milena.
“Das gravadoras, na verdade”, ele responde bastante irritado, e quando pensamos em pedir que ele explique melhor, o malandro é mais rápido e pergunta: “Afinal, o que é que vocês querem?”
“Muito bem, Julinho, é que...”
“Meu nome não é Julinho. Esse foi apenas o nome de um dos tantos”.
Gravadoras (num plural que a gente não tá conseguindo entender), “um dos tantos”. Esse cara tá começando a me dar medo. Preciso de férias desse trabalho na ANNA.
É Milena quem faz as honras:
“O caso é que nós somos de uma agência especializada em ajudar as pessoas a se desapaixonarem, entende? Um cupido invertido. As pessoas vem até nós e contratam nossos serviços para descobrirmos informações que as façam se desinteressar das pessoas por quem estão apaixonadas. E você é o objeto de paixão de alguém.”
“Me diz uma novidade”, ele replica com uma presunção estranha, como se isso não o fizesse se sentir o dono do pedaço, mas sim triste.
“Ok, verdade. Um monte de menina vive correndo louca atrás de você e... Ou melhor, do Julinho Cowboy... Escuta, como eu devo me referir a você? Ai, gente, que confusão!”
“Pode me chamar de ‘amor’, ‘gatão’, ‘tesão’...”
“Não força a barra, mano!”, eu o censuro, gesticulando com a cabeça para Milena continuar o que ia dizendo.
“Vou te chamar de Julinho, que foi o motivo de termos vindo a Goiânia. Certo. Como eu ia dizendo, fomos contratados pela mãe de uma garota de 14 anos que é louca de paixão por você. Digo, pelo Julinho Cowboy. Eu pesquisei várias coisas sobre você na Internet, coisas desagradáveis, lógico. Expus tudo pra garota mas não deu em nada. Ela não me ouviu e acho até que ela se apaixonou mais por você. Quero dizer, pelo Julinho Cowboy. Mas de uns dias pra cá ela mudou radicalmente o comportamento e se veste e age como uma fã de funk ostentação, incluindo nas fotos do Instagram as  hashtags que você popularizou. Eu, sinceramente, só não entendo como é que essa moda se instaurou num tempo tão meteórico. Quando chegamos na cidade, a garota já era fã alucinada de MC Camufla, que para nossa surpresa, não é ninguém menos que o antigo ídolo dela.”
“Moça, se eu bem prestei atenção, o Julinho Cowboy é um antigo ídolo dela, então seu trabalho acabou, né? Não tem mais de quem ela se desapaixonar”, Julinho Cowboy/Mc Camufla faz pose de quem resolve problemas complexos em questão de segundos, mas é óbvio que Milena não vai deixar barato:
“Acontece, senhor Julinho barra MC, que aparentemente a cada nova ‘identidade artística’ que o senhor assume, a filha de nossa cliente cai de amores por você. Não há nada de errado em ser admirador de um artista, mas não podemos fazer nada se a menina tem sentimentos românticos por você e a mãe está nos pagando para que ela não tenha. Eu tava até me sentindo mal, mas depois que a gente descobriu essa safadeza que você faz enganando o público e os fãs inventando personagens musicais só pra lucrar, agora virou uma questão de honra desfazer essa ilusão.”
Essa é a minha eterna melhor amiga Milena, no auge de sua determinação. Deve ser por isso que a minha mãe quer tanto que a gente se case.
Julinho Camufla (sim, agora eu vou logo é juntar os nomes) faz um ar de arrependido. Baixa um pouco a cabeça enquanto mantém um olhar vago no chão. Não sei quanto à Milena, mas eu estou alerta para o caso desse doido querer bancar algum personagem dramático só pra amolecer nossos corações. Decidido, ele me olha bem no fundo dos meus olhos (filho da mãe, não tente me hipnotizar!!) e solicita:
“Você tem um celular aí, cara? Vamos dar um jeito nisso!”
Julinho Camufla me pede para filmar no celular enquanto ele manda um recado para enviarmos para Tamires. Nem acredito que Milena e eu conseguimos. Essa noite teve surpresas loucas demais, meu Deus. O que ainda falta?
“Meu nome é Odair, eu tenho 45 anos de idade e...”
Qualquer pessoa que assistir ao vídeo que estou fazendo do depoimento de Julinho Camufla (que agora sabemos que se chama Odair) vai perceber que a imagem treme logo no início, culpa da minha reação nada disfarçada ao saber que ele tem 45 anos de idade. Ao longo da fala ele vai explicando que os truques de maquiagem e os Photoshops da vida de celebridade o ajudam a passar credibilidade sobre sua fingida juventude. Isso explica por que ele usou a gíria “morô”, o tipo de coisa que está em desuso na comunicação, a não ser que você tenha... 45 anos de idade ou mais.
O sujeito é tão cretino que é por isso que adotou o nome “MC Camufla”, uma espécie de piada interna sobre o fato de enganar as pessoas. Sozinho em seu quarto, ele deve dar altas risadas das menininhas recém-chegadas à puberdade que juram que ele é o filezinho do funk. Odair também explica que vem fazendo isso desde os anos 80, quando iniciou uma banda de rock em Brasília, período em que eclodiram diversas outras bandas.
“Desde então, assinei contratos com gravadoras diferentes em cidades diferentes, mas não ao mesmo tempo. Dependia da moda da época, é claro. Nos anos 80 foi em Brasília, nos anos 90 foi em São Paulo quando entrei para um grupo de Pagode, e ainda nos anos 90 fui vocalista de um grupo de Axé, só que desta vez em Salvador. Pra onde o vento da música brasileira estivesse soprando, lá estava eu, soprado por alguma gravadora interesseira. Eles não me queriam como artista, eles me queriam como um experimento, queriam provar que dava pra usar a mesma pessoa em diferentes estilos e épocas, apenas dando uma repaginada na aparência e forjando o sumiço de um suposto artista para lançar um suposto novo artista. É isso que eu sou, um experimento. Eu sou um camaleão musical, que nem David Bowie.”
O cara se compara ao David Bowie e Milena sente uma fisgada de riso, mas se contém. Vamos dar um desconto a ele, né? Entretanto, essa história do Odair me faz imaginar se ele não está meio brisado, se não fumou ou cheirou algum tóxico. E também não tô conseguindo compreender se ele está chateado em ser uma marionete dos magnatas da música ou se ele curte essa vida. Opa, essas vidas. Pelo jeito empertigado dele, parece que ainda tem mais coisas a declarar:
“A fase que eu mais gostei e me senti como se fosse eu mesmo aconteceu em 2002, quando virei vocalista de uma banda de rock maravilhosa, Illusion Shadows. A onda gótica tava tomando conta de muitos adolescentes naquela época e eu entrei no clima, sabe...”
“Peraí, peraí!! Como é que é?”
“Sim, meu caro jovem. Eu também cantei numa banda brasileira de rock gótico, na época que o Evanescence estourou. A gente cantava em inglês e...”
Não. Acredito. No. Que. Eu. Tô. Ouvindo. Desse. Babaca.
“Por que parou de gravar, rapaz?”, ele protesta ao me ver guardando o celular. Existe fogo em meus olhos.
“Diz que você tá brincando, pelo amor de Deus!”
“Não, rapaz, eu não tô brincando. Você chegou a conhecer a banda Illusion Shadows?”
 Milena saca de imediato o que acaba de acontecer e, como toda boa melhor amiga, não segura a gargalhada e passa a rir deliciosamente da minha cara, ali mesmo e sem nenhum pudor.
“Essa era... Haahahahahaaha... a banda fav... hahahahaha... favorita dele... hahahahahahahahahahaahahaahaha!!!! Ele amava Illusion Sh... hahahahaha... Illusion Shahahahahaha... Illusion Shadows... Hahahahahaha!!! Caraaaaca, Sávio!!!”
“É mentira dele, Milena. Ele nunca cantou na Illusion Shadows. Cara, cê não tem mais o que fazer em vez de ficar contando mentiras?”
E aí ele esfarela meu coração dando a única prova incontestável do que o que ele diz é verdade: começa a cantar o refrão de My Darkness, o eterno sucesso da banda, com o mesmo vocal que eu seria capaz de reconhecer mesmo se ficasse demente.
O que faz a Milena lagrimar de tanto rir. Mais ainda.
Mas como assim? Por que eu não o reconhecera até então? Na Illusion Shadows ele usava o codinome Senhor Ilusão, o que seria o nome artístico de Alexander Galvão, seu verdadeiro nome. Mas acontece que jamais existiu Alexander Galvão, do mesmo modo que jamais existiu Julinho Cowboy. O gerente da gravadora, de certo modo, não mentiu pra nós. É tudo uma grande fraude. No mundo distorcido por interesses financeiros em que vive Odair, até os nomes artísticos tem nomes artísticos. Senhor Ilusão!! Estava ali na cara o tempo todo que tudo fazia parte de um grande espetáculo, de um grande truque.
“Ai, minha barriga, meu Deus!! Hahahahahaha!! Eu não consi...hahahahahahah... eu não consigo parar... hahahahahahaha!! Minha... Barriga... hahahahahahahaha!!!!”
O desgraçado do Odair fica tão contagiado com as violentas risadas de Milena que também não se aguenta. Estão os dois rindo de mim agora. Estou me sentindo miseravelmente idiota neste exato momento. Provavelmente eu riria de Milena se estivesse no lugar dela e ela no meu, mas esse mentiroso escroto deveria se envergonhar. Eu só tinha dezesseis anos, caramba! Que droga, e pensar que eu defendi essa banda com unhas e dentes mesmo quando saíram do underground e até hoje levanto a bandeira dos caras porque “fã que é fã não vira as costas”. Aaaaah, que ódio desse sem-noção!!
“Seu filho de uma...!!!”, não termino o xingamento, porque é nessa hora que eu pulo em cima de Odair Julinho Camufla com toda a raiva do mundo. Nunca, nunca, nunca quebre o coração de um fã quando ele estiver na sua frente. Porque ele pode quebrar a sua cara.

De volta ao hotel e agora mais calmo, pego meu laptop. Eu poderia estar colocando gelo na mão de tanto que soquei a cara do Odair Mentiroso, mas acontece que não deu tempo de ensinar uma lição a ele. Milagrosamente, os seguranças do evento apareceram na hora, e hoje eu vi e ouvi tanta coisa estranha que já nem quero entender como os homens apareceram no momento exato. Entro na Internet e vou deletando tudo que eu encontro que ligue meu nome à banda Illusion Shadows (Sombras da Ilusão, em português). A ilusão, enfim, acabou. Embora eu não imaginasse que fosse mais que o nome da banda.
Milena me pediu mil desculpas no caminho pra cá, mas a cada dez segundos ela se lembra do ocorrido e parece um saco de risadas prestes a explodir. Tento não encanar com ela, pois de certa forma ela está se vingando do fato de sempre ter me falado durante a nossa adolescência pra não exagerar no apego às bandas. Parabéns, Milena! Você tava certa.
Cerca de uma hora atrás, Milena combinou com Tamires e a mãe dela de fazermos um chat via Skype. Já está na hora.
Contamos parcialmente o que aconteceu na viagem e deixamos o restante para dona Melinda e sua “princesinha” descobrirem através do vídeo que fiz no camarim do MC Camufla. Infelizmente a gravação foi interrompida por causa da minha reação revoltada, mas o principal está ali, o suficiente para que Tamires descubra, da boca do próprio ídolo, que ele não é digno de ser idolatrado.
“E aí, Tamires? O que você achou?”, eu pergunto assim que mãe e filha terminam de assistir ao vídeo.
Pelo chat com webcam, vejo Tamires trocando um olhar com a mãe. Eu não entendo o que esse olhar significa, talvez seja uma dessas coisas que há na cumplicidade entre mãe e filha. Ou teriam elas dons telepáticos e trocaram frases mentalmente ali? Cara, eu tenho certeza que eu deveria estar tomando remédio tarja preta, porque ó...
“Mas eu amo tanto o MC Camufla”, a guria fala num tom bastante infantilizado, como se fosse chorar; novamente olha para a mãe.
“Tamires, mas agora você sabe a verdade”, eu me intrometo quando a mãe faz menção de que vai falar alguma coisa. Faço isso porque, tristemente, também sou uma vítima de Odair e suas cascatas camaleônicas. “Nunca existiu MC Camufla, nem Julinho Cowboy. Quero dizer, existiram personagens, mas isso é tudo que eles são. Personagens são de mentira, eles não servem pra gente amar com a intensidade que amamos nossas famílias, por exemplo. Esses cantores não são pessoas reais, entendeu? O que eles falam não é o que de fato eles sentem ou o que querem dizer. Apesar de serem humanos, é como se fossem produtos fabricados só pra trazer lucros para as gravadoras e pra eles mesmos. Olha, Tamires, você só tem 14 anos e eu tenho o dobro da sua idade. Vai por mim: você ainda vai cometer muita besteira na vida e muita gente vai querer abusar da sua ingenuidade. Mas fica de olho aberto, não deixa qualquer ídolo te influenciar. Busque um ídolo que demonstre se importar com as pessoas, que faça o bem, que traga alguma ideia importante e útil pra sociedade. Na verdade, esse ídolo nem precisa ser um cantor ou um ator famoso. Pode ser até mesmo um professor da sua escola. Eu já tive ídolos, sabia? E hoje eu aprendi uma lição muito importante: vou passar a dar mais atenção aos conselhos que as pessoas me derem sobre idolatrar alguém, porque idolatria não é saudável e a decepção pode ser devastadora.”
“Na verdade eu tô muito triste”, admite Tamires, “porque eu não gosto quando mentem pra mim. Eu tô decepcionada.” E começa um choro tímido ali mesmo.
A mãe balbucia alguma coisa para nós, despede-se e o chat é desativado. Missão arduamente cumprida. Faço log out, desligo a máquina e me recosto na poltrona, olhando pro nada. Milena, que estava um tanto distante quando falei as últimas palavras para Tamires, quebra o silêncio:
“Sávio... Isso foi tão legal da sua parte. Acho que eu nunca vi esse seu lado mais sensível.”
“Sensível? Ah, Mile, não é pra tanto também. Só fiz o meu trabalho como um bom agente do desapaixonamento, ora.”
“Hummm... Será? Sei não, acho que tem um escritor de autoajuda escondido aí dentro, hein. Já pensou em investir na carreira, amigo?”
“Você é chata assim mesmo ou fez um intensivão, hein?”
“Fiz um intensivão, não tá lembrado? Eu era até sua aluna.”
Milena e eu podemos passar a noite toda nessa bestice. Mas graças a Deus ela boceja, doida pra ir pra cama. Amanhã nós embarcaremos de volta para nossa cidade, nossa realidade. Embora eu tenha alegado que só estava fazendo meu trabalho, eu sei aqui no fundo que não é somente isso. A menina Tamires não merece ter que ficar refém de um embuste tão ridículo promovido pela indústria do entretenimento.
Optamos por deixar o Odair continuar com seu teatro sórdido, pois demos nossa palavra de que não iríamos envolver a imprensa e tudo mais. E pra ser honesto, eu ainda estou em dúvida se tenho pena dele por se permitir ser usado desta forma ou se tenho raiva. A história toda é muito incomum e confusa para minha mente acostumada com um pouco da lógica do mundo real. Bom, o compromisso da ANNA neste caso foi, primeiramente, com dona Melinda e Tamires, então não teve como resguardar tanto assim a verdade que Odair nos confiou, se bem que ele abriu tanto o bico que eu desconfio que ele até queira que tudo venha à tona. Talvez seja a forma dele se livrar disso. Quanto à Tamires, ela não se livrará de outras mentiras e ilusões ao longo da vida, mas pelo menos dessa, em que eu pude tomar uma atitude para impedi-la de ir mais fundo, ela estará livre logo, logo. Assim que seu coração aceitar que a paixão por Julinho Cowboy ou MC Camufla não vale mais a pena. Do mesmo jeito que, em breve, eu terei esquecido das Sombras da Ilusão.



ESTE É O PENÚLTIMO EPISÓDIO DA 1a TEMPORADA DE DESAPAIXONANTE. A GENTE SE VÊ NO ÚLTIMO, GALERA!!!

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