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30 de novembro de 2015

DESAPAIXONANTE (Fim da 2a temporada) -- EPISÓDIO 2x11: PRECISAMOS CONVERSAR



(Narrado por Milena)


“Rita, dá pra você vir aqui na minha sala, por favor?”
Após assentir com uma voz um tanto chorosa, Rita Lina desliga o telefone do outro lado, e eu a aguardo. A cabeça está tão cheia. Sávio nem imagina que eu sequer dei início aos procedimentos para ajudá-lo a se desapaixonar da Anna. Não tenho a mínima ideia do que fazer. Minha criatividade para ter um bom plano deve estar de férias, e sem previsão de volta. E ainda tem meu pai prestes a retornar para o Amapá com Dana e as gêmeas.
Rita bate na porta.
“Entra”, autorizo.
Ela entra lentamente, segurando um lenço usado na mão. O rosto está úmido e vermelho, assim como os olhos.
“O que é que cê tem? Tava chorando? Ou tá gripada?”, indago, preocupada.
“É o novo álbum da Adele”, explica ela, crispando os lábios como alguém que está tentando controlar uma forte emoção, mas desata a chorar outra vez.
Como patroa, eu poderia ser bem grossa e condenar esse comportamento, mas em se tratando de Rita Lina, é necessário ter muita paciência e compreensão com a sensibilidade alheia.
Ela chora por quase dois minutos inteiros, até dar uma aliviada e ficar apenas fungando. Parece que precisa de outro lenço, já que o que ela segura está tão ensopado que já começa a pingar no chão da sala. Aí já é demais!
“Desculpa, dona Milena. Em que posso ajudar?”
“Preciso que você saia pra comprar uma resma de papel, por favor”.
“Tudo bem. Mais alguma coisa?”
“Sim. Por favor, quando for ouvir Adele, evite ter objetos cortantes por perto, entendeu? Só isso”.
“Desculpa mesmo. É que os Valpixianos otimizaram minha sensibilidade em 100%, então as minhas emoções são muito mais intensas”.
“Nesse caso, não precisa vir trabalhar quando estiver de TPM”, eu brinco, só para não cortar a onda dela e suas viagens psicóticas com seres de outro planeta.
Ivan surge, deixando apenas a cabeça à mostra pelo vão da porta que ficou entreaberta. Ele sorri, com a sobrancelha erguida, dando a entender que quer entrar.
“Mas que surpresa, amor!”, digo, entusiasmada.
Ele entra, depara-se com Rita tentando se recompor.
“Tô atrapalhando alguma coisa? Posso esperar aqui fora”.
“Eu já tô saindo, moço”, explica Rita, fungando irritantemente, além de soluçar. “Com licença, dona Milena”.
Ao passar por ele, Rita se detém, encara-o como se o estivesse reconhecendo. Mas, ao que parece, estou enganada, embora Ivan tenha um ar meio assustado no olhar. E Rita aproveita para soltar a seguinte e intrigante pérola:
“Com todo o respeito, mas o seu cérebro é lindo! Conheço gente que daria tudo por uma belezinha dessas”.
E se retira, com seu lenço deixando pequenos rastros de lágrimas pelo caminho.
Ivan e eu nos entreolhamos, a cara dele impagável pela primeira interação com a minha secretária temporária.
“Não liga pra ela, Ivan. Ela só tá supersensível porque tava escutando Adele”.
“Ah, eu vou ligar sim. Ninguém jamais elogiou o meu cérebro. Até que enfim alguém reconheceu todos esses anos de trabalho duro”.
Rimos. O senso de humor de Ivan sempre em prontidão para me proporcionar momentos tão agradáveis. Ele chega mais perto e me dá um abraço apertado. Ivan é tão atencioso!
“Tá muito ocupada? Tava pensando em te levar pra almoçar”.
“Ai, eu ia adorar. Mas tô sem fome. Quer dizer, sem apetite. Preocupações.”
“Preocupações? O que é que tá tirando a tua paz, hein?”
“Hum... Um pouco de tudo. Daqui a dois dias meu pai volta pra Macapá e eu queria pensar em alguma coisa pra me despedir dele. Sei lá, um jantar ou algo do tipo, mas isso não parece ser o tipo de coisa que surpreenderia Marcos Kerber, até porque pra isso ele já tem a Dana, e perto dela eu sou muito amadora. E tem também a questão do Sávio... Eu ainda não sei como começar o processo de desapaixonamento”.
Ivan me observa em silêncio, atento a cada palavra. Então faz o esperado, pronuncia-se com alguma solução para os meus problemas:
“Bom, com relação á despedida do seu pai, eu posso cuidar disso pra você. Vou providenciar um bufê lá do Deleite, o que você acha? Só preciso que você me fale alguns pratos que eles gostam”.
“Meu Deus, sério!?”, exclamo, estupefata e comovida. “Ivan, você não existe mesmo. Pôxa, quanto é que sairia isso?”
“Relaxa! Você acha que eu iria cobrar? Na verdade, eu é que estou em dívida com o Marcos, né? Tô namorando a filha dele e nunca paguei um centavo”.
“Seu fofo ridículo!”
E nos beijamos. Um problema resolvido. Um problemão, visto que eu já estava começando a entrar em crise existencial por meu pai estar de partida e não poder testemunhar sua filha exibindo um pouco de criatividade.
“Quanto ao caso do Sávio”, Ivan complementa, “você sabe qual é a minha opinião. Pra mim, ele deveria pensar melhor pra descobrir se isso é realmente o que ele quer. Mas, como você é minha namorada e eu me preocupo com você, me dói não ter nenhuma ideia por enquanto. Me desculpa, amor”.
“Tudo bem”, eu sussurro, mas devo admitir que estou um pouco frustrada. No entanto, logo me toco da idiotice. Não posso esperar que Ivan seja meu salvador o tempo todo. E ele já é perfeito do jeito que é. Você tá me acostumando mal, Sr. Castro.
“Milena, tem certeza que é isso que você quer? Remexer no passado?”
“É que eu prometi que ia fazer... E o Sávio é meu melhor amigo, ele...”
Abruptamente, paro de falar. Ivan percebe minha brusca interrupção e se manifesta:
“O que foi?”
“Remexer no passado, Ivan. É isso!! Você tem razão”.
“Ah, então vai finalmente abandonar essa ideia?”, ele tem esperança nas palavras e um sorriso de expectativa.
Mas lamento ter de desapontá-lo, meu querido Ivan.
“Nada disso. Eu tô é com uma ideia melhor”.
“Milena...”
“Eu só preciso encontrar uma pessoa”.


Não sei por que fiquei tão empolgada com a ideia que tive graças ao comentário de Ivan sobre remexer no passado. Existe uma grande chance de dar errado. Mas assim é a vida: uma sucessão de apostas e tentativas que podem mudar o rumo do jogo insano que é viver. Sem medo de essas palavras soarem autoajuda barata, mas não tentar e não apostar é desistir e carregar o arrependimento de não ter arriscado.
Ontem, durante a conversa com Ivan na sede da ANNA, tive um lampejo a respeito de uma garota chamada Tatiana, que estudou comigo e Sávio no Santo Cristo, uma paixão tão pura e bonita, bastante tempo antes de ele se descobrir atraído pela Anna Munhoz. Acontece que Sávio e Tati nunca tiveram nada, nem mesmo um beijinho, mas eles formavam o tipo de casal que todo mundo acreditava que daria certo. Era comicamente meigo como ambos ficavam completamente tímidos um perto do outro, o que fazia qualquer um por perto se sentir como se estivesse segurando vela. E mesmo após tantos anos, Sávio nunca a esqueceu, eu sei. A diferença entre o que ele sente pela Anna e o que sente por Tati é cristalina: a ligação entre Anna e Sávio era uma coisa mais de pele, muito embora eles nunca tenham passado das preliminares e dos amassos mais ousados. O que Sávio sente falta do namoro com Anna é a maneira como ela o deixava alucinado, principalmente por ela ter aparecido quando seus hormônios estavam à flor da pele, portanto ela ganhou a coroa de namorada marcante. Por isso, ele ainda está de quatro por ela.
Entretanto, os olhares que Sávio e Tatiana trocavam eram muito mais carinhosos, mas sem qualquer conotação sexual. A forma como Sávio já se referiu a ela diversas vezes em seus momentos nostálgicos sempre teve um tom meio açucarado, um romantismo não exercido, aquele gostinho de “me arrependi por não ter tentado”, “a melhor namoradinha que alguém poderia ter mas não teve porque se acovardou em arriscar”.
Com um pouco de esforço e aproximadamente 30 Tatianas depois, consegui encontrar no Facebook aquela que eu estava procurando. Tatiana Freitas, autônoma, 29 anos. Hoje ela tem um filho de cinco anos (estranho seria se não tivesse, eu acho, já que a maior parte desse povo da nossa época de colégio já tem família). Continua simpática e bonita, mudou o corte de cabelo, que costumava usar longo e agora está uma gracinha de channelzinho, ganhou um pouco de peso e, pelas fotos, deve trabalhar com festas infantis ou algo dessa natureza. Aparentemente, ela não tem marido e nem namorado. Será que o pai do guri aparece de vez em quando? Será que o Sávio se importaria por ela ter filho? Pai do céu, preciso segurar minha onda. Eu mal encontrei a moça e já estou me perguntando se o Sávio se importaria!! Nem mesmo sei se ela se lembra do meu amigo ou de mim ou se ela toparia, de repente, sair conosco. Se algo mudou naqueles sentimentos.
Eu estou tão esperançosa, especialmente porque foi a melhor ideia que tive, e não quero nem cogitar que ela fracasse. Quem sabe se eu pelo menos promover esse reencontro de maneira bem-sucedida, mesmo que não floresça um clima entre eles, talvez deixe o Sávio balançado e desvie sua atual atenção da Anna furacão e o incline a tentar algo com Tatiana amorzinho. Eu sei da enorme ironia: fazer alguém se desapaixonar por meio de uma nova paixão. Não é meu maior talento, mas também não sou tão novata na área. Já aproximei casais que tinham tudo a ver, tipo dois ex-clientes, a metódica-maníaca Sabrina e o engraçado-só-que-não Jean Pierre.
Ivan estava comigo quando consegui o contato de Tatiana e combinei um encontro. Ele ficou impressionado com minha determinação, mas a julgar pelo seu semblante, deve ter ficado contente em ter uma namorada tão aplicada.
Esse plano não pode melar. Ah, meu Deus, não pode melar de forma alguma!!


Dizem que quando a esmola é demais, o santo desconfia. Mas eu estou pouco me lixando pra isso, pois minha alegria por Tatiana ter topado meu convite não tem tamanho. Tudo está conspirando a favor. Ela ficou muito feliz com meu contato e surpresa porque, segundo ela, pouco fala com a galera daquela época.
“Ah, querida, eu também. Mas tenho certeza que a gente vai se divertir muito”, e foi assim que eu encerrei a conversa, ansiosa pelo jantar que darei em despedida ao meu pai, que será a ocasião em que o encontro será promovido.
Sempre me orgulhei das minhas habilidades de anticupido, mas hoje o anjinho do amor deve estar espalhando aos quatro ventos que eu sou uma tremenda Falsiane.
Sávio mal perde por esperar.
Falando nele, acabo de ler uma mensagem sua no celular em que ele apenas diz: “Mile, precisamos conversar”. Apesar de intrigada, quero permanecer confiante a respeito de hoje. Tudo vai sair bem, tudo tem que sair bem.


Dana está um pouco chateada por não ter tido oportunidade de preparar a comida para a despedida do meu pai. Não me recordo bem, mas acho que, para tranquilizá-la, eu dei um migué dizendo que queria poupá-la e deixá-la despreocupada desse tipo de tarefa. Que, já que eles tinham vindo me visitar, nada mais justo que eu lhes proporcionasse esse momento em que ninguém precisasse se preocupar com qualquer obrigação. Ou qualquer bobagenzinha assim. Como se já não bastasse seu pai estar casado com uma mulher que é pouco mais velha que você, será que você iria querer ficar ouvindo todos exaltando o fato de ela ter as mãos maravilhosas e prendadas na cozinha? Não!! Hoje eu quero os louros pra mim, atirados de todas as partes. Eu mereço. Mesmo que as mãos responsáveis pelo banquete da noite tenham sido de alguém contratado pelo meu namorado.
Mas, como não se pode impedir tudo na vida, Dana, a boadrasta, se encarregou de limpar a casa. E nesse ponto ela me ganhou praticamente de nocaute, pois eu fiquei tentadíssima pela ideia de alguém fazer uma faxina, coisa que eu sou mestre em protelar. Insisti para ela também não se preocupar com isso, mas essa parte foi pura atuação, só pra manter a ideia de que eu queria estar no controle de tudo. Ainda bem que ela teimou. E, claro, arrebatou a ajuda de Isabela e Laura, meio contrariadas a princípio, mas bastou uma dizer que poderiam utilizar a faxina para gravar mais um vídeo de tutorial pro Youtube que a outra já curtiu a ideia. Eu, hein! Quem entra na Internet pra ver duas adolescentes falando sobre limpeza doméstica? Você pensa que a garotada tá comprometendo sua integridade moral na web, e lá vem eles nos surpreender. Tá osso acompanhar essa juventude nos dias atuais.
Bittersweet symphony toca no meu celular. É uma ligação do Sávio.
“E aí, sócio?”, atendo, mais animada do que de costume.
“Oi, Mile”, a voz de Sávio sai meio seca. É o que se pode chamar de exato oposto de como eu me sinto no momento.
“Eita! Que voz é essa? Você tá com alguma problema?”
“Você recebeu a minha mensagem?”
“Que mensagem?”
“Uma em que eu dizia que precisávamos conversar”.
“Ah, sim!! Bom, pode falar”.
“É que... eu não sei se vou poder ir na despedida do seu pai”.
“O quê?! Você nem pense em faltar, meu querido. Meu pai vai ficar muito chateado, ainda mais que ele te adora, você sabe disso. Sem falar que... eu tenho uma surpresa pra você”.
“Mas, Mile...”
“Não tem ‘mas’, Sávio. Você escutou o que eu disse. Eu tenho uma surpresa pra você, portanto nem pense em faltar. Além do mais, você tá com algum problema? Tua voz tá esquisita pra caramba”.
Ele emudece por alguns segundos.
“Bom, então... Será que a gente pode conversar na hora do jantar?”, propõe Sávio.
“Nossa! Ignorou minha pergunta de novo, né? Você tá muito estranho, Sávio. Tô ficando assustada com isso”.
“Mais tarde eu passo aí, Milena. É que a gente precisa mesmo conversar”.
“Tá, tá, tá bom!”, ele conseguiu me irritar, mas estou me controlando pra não perder mais paciência do que isso. “Tchau!”
“Tchau!”, sua despedida consegue ser ainda mais seca do que o restante da conversa.
Era só o que me faltava. Mas tenho certeza de que esse pequeno desconforto será compensado quando ele se deparar com o que eu estou preparando. Um antigo amor que vale muito mais a pena ser chamado assim do que a Anna.  Ah, gente, será que é exagero pensar em encomendar meu vestido de madrinha de casamento?


Como é a última noite de meu pai, Dana e as meninas na cidade, não quero bancar a chata, então todas as músicas que estão tocando são baseadas no que eles gostam. É uma mistura bizarra dos cantores e bandas que meu pai venerava nos anos 70 e 80 (o que, por alguns artistas, não é ruim, se você ignorar um pouco o Amado Batista), o rock nacional misturado com MPB que a Dana adora (imagine uma sequência que toque Ivan Lins depois de Legião Urbana) e a estranha miscelânea formada por estilos aparentemente desconexos que as minhas irmãs curtem, algo entre One Direction e Nicki Minaj até Ed Sheeran e Lana Del Rey. Estes dois últimos cantores me trouxeram uma certa esperança com relação ao gosto musical das gêmeas, apesar de eu achar que algumas dessas canções são mais eficazes contra insônia do que Rivotril.
Meu pai está na sala se esbaldando num bom papo com Ivan. Ele já o adora, decerto. Dana deve estar terminando de se arrumar no quarto, embora eu tenha insistido que não precisava se emperiquitar, que a ocasião era apenas uma pequena reunião agradável sem aquele climão de cerimônia. Mas quem sou eu para me opor à madrasta? Afinal, quem me garante que, por exemplo, ela não converse com o espelho e cultive maçãs?
Alguém aciona o interfone lá fora. É o Sávio. Espero que ele já tenha se recuperado daquele comportamento estranho que teve mais cedo.
“Entra aí, sócio!”
“Boa noite, Milena. Olha, só vou entrar pra dar um abraço no seu pai, e se possível eu gostaria de conversar com você aqui fora. Não vai dar pra ficar muito tempo”.
“Cara, é sério mesmo? Você não ouviu nada do que eu falei no telefone?”
“Ouvi, mas é que... Eu realmente não posso ficar”.
Droga, o que é que está havendo com ele? Mas é melhor eu manter minha serenidade, qualquer coisa eu ligo para Tatiana e checo se falta muito pra ela chegar.
Abro espaço pra ele ir andando em direção ao interior da casa. Já no pátio, ele se depara com Rita lina, e cochicha ao meu ouvido:
“Você convidou ela?!”, parece um questionamento da minha sanidade, e com razão.
“Ela me ouviu comentando na empresa e ficou insistindo. Você me conhece, fiquei com pena dela, na certa não é de sair muito de casa. E também, não há de ser nada. A gente só precisa ter paciência com a maluquice dela”.
“Você merece o prêmio de patroa mais legal do ano”, ele dá mostras de que seu humor está voltando. Já posso respirar aliviada?
“E aí, Rita?”, Sávio a saúda, um pouco reservado. Provavelmente está tentando evitar contato maior com ela.
“Oi, Sávio!”, ela devolve, sentada na cadeira de balanço. Engraçado, ela me chama de “dona”, mas ao Sávio ela chama pelo primeiro nome, assim na maior.
“Por que você não está lá dentro, Rita?”, pergunto, pois um convidado que se isola dos outros é sinônimo de convidado insatisfeito.
“É que a música da Lana Del Rey me deixa sem fôlego, então vim pegar um pouco de ar”.
“Espera aí, a música da Lana Del Rey te deixa literalmente sem fôlego?”, pergunto.
Ela apenas balança a cabeça, confirmando. De fato, está com a respiração pesada.
“Mas você tá bem?”, Sávio demonstra preocupação, mas está parecendo apenas que ele quer matar o tempo.
“Bom, ajudaria muito se mudassem a música, mas não precisam se incomodar comigo. Daqui a pouquinho eu volto”.
Mas não vamos nos incomodar mesmo. Nem a pau que eu vou mudar a playlist só porque essa doida varrida está com problemas respiratórios.
“Eu vou lá dentro ver se tem um remédio, tá? Você toma alguma coisa específica pra isso?”, é o máximo que dá para eu agir em favor dela.
“Não posso... tomar rem... remédio, dona Milena”, ela responde, puxando ar com dificuldade. “Os Valpixianos otimizaram minha sensibilidade, mas em compensação, meu organismo foi quase 80% enfraquecido pra aguentar remédios. Mas um pedaço de pizza ajudaria”.
“Como assim? Pizza faz bem pros seus problemas respiratórios?!”, eu me surpreendo.
“Não, mas alivia a fome que tá muito grande”.
Desisto de lidar com Rita Lina. Dirijo a ela um positivo com o polegar e sinalizo para Sávio que devemos prosseguir para dentro de casa, onde ele finalmente pode falar com meu pai.
Sávio dá um caloroso abraço no meu pai e cumprimenta Ivan com um aperto de mão. Curiosamente, mal olha para o meu namorado, mas espero que isso seja viagem da minha cabeça. Coisinha chata quando seu melhor amigo e seu namorado não se dão bem.
“Ivan, meu amor, você pode levar um pedaço de pizza pra Rita Lina, por favor?”, solicito, tanto para dar um jeito na fome da secretária quanto para evitar que Ivan se sinta pouco à vontade perto de Sávio.
“Claro, Milena”, atende ele.
Enquanto Sávio troca uma ideia com meu pai, apresso-me a pegar o celular e telefono para Tatiana. Eu a faço jurar que vai chegar em 30 minutos, estourando. Tudo que tenho a fazer é segurar esse meu sócio estranhamente apressado por meia hora.


“E então, Sávio? Sobre o que você quer tanto conversar?”
Estamos no pátio. Pedimos uma licencinha do pessoal, expulsamos Rita Lina (que, enquanto mal respira quando ouve Lana Del Rey, parece drogada quando ouve Nicki Minaj, de olhos fechados e tudo, curtindo). Falta pouco para começar o jantar propriamente dito, mas aqui estou eu e farei todo o possível para Sávio não arredar o pé até Tatiana chegar.
Sávio respira fundo. Já o vi inquieto outras vezes, mas é sempre muito espantoso quando acontece.
“É o seguinte”, ele inicia. “Droga, nem sei como começar”, ele não inicia.
“Ué, você insistiu tanto pra gente conversar. Agora tá aí sem saber como falar”.
“É que é muito complicado. Eu ainda não me acostumei com a ideia, é tudo muito novo”.
“Sei, Muito novo e muito estranho também, né? Peraí! Você tá metido com alguma máfia, Sávio?Ah, não, pelo amor de Deus!”
“Não é nada disso!”, ele protesta, muito convincente.
“Então será que dá pra parar de enrolar?”
“Mile...”, tudo que ele faz é me olhar com cara de lamentação.
“Sávio, sério? Eu tô quase surtando, sabia?”
“Vem comigo”, ele me indica o seu carro, e anda em direção ao veículo, a poucos metros de nós. Eu o sigo.
Quando chegamos ao carro, ele abre a porta do lado do passageiro, e diante de mim se revela uma cena completamente inesperada. Anna Munhoz está lá, sentada como uma princesa comportada, sorrindo pra mim.
“Oi, Milena”, ela acena, mexendo delicadamente os dedos.
“Espera só mais um pouco, Anna”, Sávio fala como se a tranquilizasse. Em seguida, fecha a porta gentilmente.
“O que é isso?”, é a única pergunta plausível em que consigo pensar.
Meu rosto está frio, pálido, atônito. Sávio refaz o caminho para que fiquemos um tanto distantes dos ouvidos de sua passageira.
“Milena, eu... vim te dizer que você não precisa mais se preocupar com aquele serviço que eu te pedi. Eu conversei com a Anna há alguns dias e...”
Ele está todo desconcertado, não sabe o que fazer com as mãos. Há um filete de suor querendo escorrer de sua testa. Aposto que a garganta está seca, mesmo tendo bebido copos e copos de refrigerante lá dentro. Eu sei como ele vai completar a frase, mas por um momento desejo estar louca ou sonhando. Porém, preciso que ele continue. Preciso que ele conclua a frase, só para eu ter certeza de que isso está mesmo acontecendo.
“A gente decidiu tentar de novo”, informa Sávio.
Ele me conhece há tempo demais para precisar que eu diga alguma coisa. E este é um dos momentos em que ele pode ler a minha mente e saber que eu estou mais perdida do que brasileiro procurando um amigo japonês no meio de uma passeata de coreanos acontecendo na China.
“Isso é alguma brincadeira, Sávio?”
“É por isso que eu tava tão estranho, por isso que eu disse que a gente precisava conversar. Eu sei o que você deve estar pensando agora”.
“Mas como assim vocês decidiram voltar? Tipo, se era possível acontecer isso, por que você me fez assumir um compromisso de trabalho desde o início?”
“Milena, é que...”
“Eu sei que você gosta dessa garota, mas, cara, é a Anna! É a Anna Munhoz! Será que você não se lembra do que ela fez com você?”
“Milena, por favor, me deixa explicar!”
“Explicar o quê? Sávio, desde que você me pediu pra te ajudar a se desapaixonar por ela, eu quase não durmo direito. Eu topei fazer isso por amizade a você, meio que pra consertar a falha da primeira vez, mas no fundo isso tava me deixando preocupada, estressada e com muito, mas muito medo de falhar. Você sabe que, como uma agente do desapaixonamento, eu detesto falhar”.
“Mile, por favor, deixa eu te explicar. Existe uma razão. Eu descobri coisas”.
“Gente, tô pasma!”, eu declaro, e devo estar de boca aberta, com uma risível cara de tonta. “Sávio, você sempre foi a pior propaganda da agência, sabia?”
“O quê?”, ele é golpeado pelas minhas palavras ásperas. “Ei, Milena, peraí, não fala assim!”
“Falo. Falo sim, porque a culpa de você ser o pior exemplo de desapaixonamento é toda minha. Eu criei essa fantasia”.
“Você tá exagerando, Mile. Você pode ser melhor do que isso. Mais uma vez eu te peço, deixe que eu explique o que aconteceu”.
“Não precisa explicar. Está tudo bem claro, sempre esteve. Mas eu preferi acreditar no que eu quis acreditar, assim como hoje”.
“Milena, para de drama!”
“O que tá acontecendo aqui?”, Ivan aparece. Deve ter ido até o pátio e ouviu a discussão.
“Com licença, Ivan”, pede Sávio, “mas a gente tá tendo uma conversa particular aqui. Na boa, tá?”
Ivan não dá muita trela para ele, apenas olha para mim, em busca do meu parecer.
“Vai lá pra dentro, amor. Já tô voltando”, peço para o meu namorado, mas minha vontade é que ele fique.
“Tem certeza?”, indaga Ivan, incrédulo.
“Boa noite”, Tatiana finalmente aparece, como num passe de mágica, sem nem percebermos sua aproximação.
“Essa não”, eu murmuro, só agora me lembrando de que ela estava para chegar.
“Tatiana?!”, Sávio arregala os olhos, atingido em cheio pela surpresa de revê-la.
Ele se volta para mim e, através do olhar, deixo claro a ele que Tatiana era a tão famigerada surpresa que tanto insisti para que ele levasse em consideração.
“Tá tudo bem por aqui?”, Tatiana logo saca o clima pesado.
Ela sorri para Ivan e o cumprimenta, como se o conhecesse:
“Ei, você não é o namorado da Rosane?”
“Eu? Não, não, não conheço ninguém com esse nome”.
Tô vendo que Ivan sempre fica muito incomodado quando alguém parece reconhecê-lo. Único do jeito que é, não me admira que se chateie um pouco quando alguém o confunde. Acho que, se fosse comigo, também me chatearia.
Enfim, o caos na porta da minha casa parece estar instaurado. O que mais falta me acontecer agora?
“Milena! Milena!”, Isabela vem correndo esbaforida, berrando meu nome.
“Isabela, por favor, eu tô meio ocupada aqui, tá?”, uso logo um tom de voz ríspido para não restar dúvidas de que é melhor ela dar o fora.
“Em primeiro lugar, eu sou a Laura”, a fedelha me corrige, mas ainda mantém uma fisionomia assustada. “Em segundo, a mulher. Ela desmaiou”.
“Que mulher?”, perguntamos Ivan e eu.
“A estranha. Rápido, vem logo aqui”.
Todos acabamos ficando muito chocados com a maneira desesperada que Isab... ops, Laura veio me chamar. Ninguém pensa duas vezes e todos nós seguimos marchando intrigados e curiosos para saber o que aconteceu de tão grave, inclusive Tatiana, recém-chegada e provavelmente arrependida por ter vindo. Nunca mais ela vai querer se encontrar com ninguém do Santo Cristo.
Ao colocarmos os pés na sala, meu pai está tentando executar algum procedimento de primeiros socorros em Rita Lina, estatelada e desacordada sobre o piso.
“O que aconteceu, pai?”, pergunto com os nervos à flor da pele, mal saída de uma discussão muito desagradável com o meu melhor amigo.
A cara do meu pai está mais branca que pura neve; ele ergue o olhar, trêmulo, para as pessoas ao seu redor e anuncia:
“Essa mulher está morta”.



Então, galera, chegamos ao fim da 2a temporada. Espero que vocês tenham se divertido, se emocionado e que estejam tão ansiosos quanto eu para a próxima!!! Agora, com sua licença, DESAPAIXONANTE vai tirar umas merecidas férias (e seu autor também, hahahaha). A gente se vê em Fevereiro. Grande abraço e Deus abençoe a todos!!!


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